O que é permacultura?
Permacultura é um sistema de planejamento para a
criação de ambientes humanos sustentáveis e produtivos em equilíbrio e
harmonia com a natureza. Surgiu da expressão em inglês “Permanent
Agriculture” criada por Bill Mollison e David Holmgren na década de
1970. Hoje propõe uma “cultura permanente”, ou seja uma cultura que visa
a nossa permanência neste planeta em harmonia com a natureza.
A permacultura possui três princípios éticos e alguns princípios de
planejamento que são baseados na observação da ecologia e da forma
sustentável de interação, produção e de vida das populações tradicionais
com a natureza, sempre trabalhando a favor dela e nunca contra.
Os Princípios Éticos
- Cuidar da terra
- Cuidar das pessoas
- Cuidar do futuro
Os permacultores trabalham o viver através dos seus princípios que
são uma aplicação prática da ecologia. Todo permacultor tem função de
criar solo e armazenar água: que são a base da vida como conhecemos.
Princípios de planejamento
Em
seguida estão apresentados os doze princípios de planejamento, que devem
sempre estar de acordo com os princípios éticos, pois são guiados por
esses.

Os doze princípios de planejamento permacultural
foram desenvolvidos ao longo de mais de duas décadas e publicados em
2002 por David Holmgren através do livro “Permacultura: princípios e
caminhos além da sustentabilidade”, publicado em português no Brasil em
2013. Segundo Holmgren (2013, p.12),
Os primeiros seis princípios consideram os sistemas de produção sob uma perspectiva de baixo para cima dos elementos, organismos e pessoas. Os demais seis enfatizam a perspectiva de cima para baixo dos padrões e relações que tendem a emergir por meio da auto-organização e coevolução dos ecossistemas.
São eles:
1. Observe e interaja – Sugere que as
respostas sejam buscadas a partir da observação de eventos e objetos que
se interconectam no desenvolvimento de um fenômeno. Muitas vezes as
soluções são encontradas na visualização e correlação com padrões da
natureza. Deve-se observar o sistema como um todo – de cima para baixo,
relacionando a interdependência dos objetos. A interação deve se dar de
baixo para cima – focando pontos que podem influenciar na mudança do
sistema como um todo. Por exemplo, algumas plantas que podem ser
consideradas como pragas, podem ser indicadores de falta ou excesso de
algum nutriente no solo. Em vez de focar o trabalho na retirada dessas
plantas, ou pior ainda no uso de herbicidas, pode-se tentar corrigir o
solo com composto ou algum pó de rocha. Uma solução mais saudável para
quem planta, para quem come e ainda não causa dependência do produtor
precisar comprar um produto externo à propriedade – no caso do
herbicida. Outra solução, seria observar se a planta “em excesso” pode
ser consumida, e interagir dando outro uso para ela através da
alimentação ou como planta medicinal.
2. Capte e armazene energia – No atual estado
da sociedade industrial, a questão energética é um ponto chave a ser
discutido e repensado. A permacultura considera que a sociedade precisa
partir para um modo de produção de baixo consumo energético,
principalmente externo. Isso perpassa pela questão do que se consome e
do quanto e que tipo de energia foi utilizada na produção. Holmgren
(2013, p.85) coloca que
Conceitos inapropriados de riqueza nos levaram a ignorar oportunidades de nos valer de fluxos locais e formas renováveis (…), fontes importantes de energia são atualmente pouco utilizadas, mas estão geralmente disponíveis para produzir uma maior autossuficiência pessoal ou local.
É necessário entender como a natureza capta e
armazena energia para poder reconstruir o capital natural energético nas
paisagens, nas regiões e microbacias, no ambiente doméstico, na cultura
e pensar no seu uso apropriado. Não basta somente trocar o uso de
combustíveis fósseis por energias renováveis, é necessário, antes
reavaliar o nível de consumo. Reduzir para produtos ou serviços que
durem mais tempo e repensar a utilidade de cada coisa antes de consumir.
3. Obtenha rendimento – Além de pensar em
soluções a longo prazo que melhorem as condições de vida no planeta, é
necessário obter um rendimento a curto prazo. As necessidades humanas
diárias de alimentação, abrigo, disponibilidade de água, precisam ser
supridas. Em nossas práticas cotidianas, devemos “desenhar sistemas e
organizar nossas vidas de modo a obtermos rendimento através de meios
que otimizem a potência de trabalho útil de tudo o que fazemos”
(HOLMGREN, 2013, p.126). Esse rendimento pode ser buscado de uma maneira
que seja saudável para as pessoas envolvidas e em harmonia com a
dinâmica natural local e regional. Para isso há alguns itens que podem
ser considerados:
-
conservar a energia no sistema – pensando a questão da água por exemplo, pode se criar maneiras de se aproveitar a disponibilidade de água local através da captação de água da chuva, uso das águas provenientes do uso doméstico em banho e cozinha para nutrição de bananeiras através do sistema de tratamento de água com círculo de bananeiras. Em relação ao aquecimento de águas para banho ou pias, em locais ou períodos de frio intenso, pode-se utilizar calor solar ou calor produzido em fogão à lenha;
-
produzir alimentos de base (bem adaptados ao ambiente local) – é comum em diferentes tipos de ambientes que algumas espécies sejam bem adaptadas, sejam elas nativas ou não, e produzam alimentos que podem servir como base da dieta da população local, como mandioca, batatas, milho, feijões e outros cereais para os povos nativos na América do Sul;
-
cultivo de espécies rústicas, que trazem rendimento e não precisam de muito cuidado, como forrageiras (para alimentação de animais e/ou uso na compostagem), plantas alimentícias espontâneas, algumas espécies medicinais e madeireiras;
-
aumentar a fertilidade dos solos para uma maior produção de alimentos com melhor qualidade nutricional. Dentre os itens de consumo humano, os alimentos estão entre os mais primordiais. Investir em um solo fértil é investir em segurança alimentar.
Com os excedentes, pode se pensar em alternativas de
consumo ou de comercialização. Por exemplo, as árvores frutíferas
costumam trazer uma abundância de frutificação em um período concentrado
do ano. O beneficiamento dessas frutas através do feitio de conservas,
geleias, chás, frutas secas, sucos e polpas podem trazer um
aproveitamento da produção por mais tempo e também uma diversidade maior
de alimentos ao longo do ano. Esses excedentes, desde a fruta in natura,
até os produtos beneficiados também podem ser comercializados em forma
de venda ou troca. Assim como sugere Holmgren, “os excedentes e os
excessos podem ser um incentivo para encontrar novos modos criativos de
se obter um rendimento” (2013, p.133).
4. Pratique a autorregulação e aceite conselhos (feedbacks) –
A autorregulação é um dos objetivos do planejamento de um sistema,
ainda que jamais seja totalmente alcançado. Como não temos controle dos
inúmeros fatores que envolvem cada processo, por vezes são necessárias
interferências ou manutenções. A interação com a natureza pode fornecer feedbacks positivos que contribuem para ampliação da produção ou feedbacks
negativos, que podem diminuir a produção, por algum motivo, evitando
que o sistema todo entre em colapso. Quando uma população está
construindo uma autossuficiência, ela está mais próxima de receber feedbacks
que são importantes para a humanidade como um todo, mas que devido ao
estilo de vida da sociedade moderna, ficam ocultados para a maioria das
pessoas, ou só ganham visibilidade quando ocorre uma catástrofe ou um
evento de grande proporção. Holmgren (2013) dá o exemplo do cultivo de
um bosque para produção de lenha e consequentemente energia. Uma
comunidade buscará utilizar a madeira de maneira adequada para que
sempre haja lenha disponível. Já no modelo moderno, o consumidor de
energia elétrica que é gerada a muitos quilômetros de distância,
fornecida pelas empresas privadas e estatais, não consegue ter noção das
consequências que esse sistema trás a curto, médio e longo prazo, como
comunidades atingidas pelas barragens, desflorestação, diminuição da
fauna, desequilíbrio de ecossistemas inteiros, consequentemente causando
êxodo rural, perda de saberes tradicionais, descontrole climático e
perda da biodiversidade.
5. Use e valorize os serviços e recursos renováveis – Segundo Holmgren (2013, p.173), o design
permacultural deve ter por objetivo fazer o melhor uso de recursos
naturais renováveis para o manejo e a manutenção das produções, ainda
que seja necessário lançar mão de alguns recursos não renováveis no
estabelecimento do sistema.
Para isso, é necessário anteriormente ao uso dos
elementos, se há outras possibilidades de atender a demanda através de
estratégias que não consuma elemento algum. Por exemplo quando plantamos
arbóreas caducifólias próximas a uma edificação, diminuímos a demanda
por energia. Porque no período de verão elas projetarão sombra na
edificação, ajudando a manter o ambiente mais fresco e no inverno as
folhas caem, proporcionando mais calor solar no ambiente no período
frio. Tornando-se assim menos necessário o uso de energia artificial
para o controle térmico do ambiente. “É apropriado fazer uso diário
relativamente efêmero do sol, das marés, da água e do vento, pois são
energias diárias ou sazonalmente renováveis” (HOLMGREN, 2013, p. 175).
6. Não produza desperdícios – A minimização de
desperdícios pode se dar através de cinco atitudes: recusar, reduzir,
reaproveitar, reparar e reciclar. Vê-se que na sociedade moderna, o
discurso ambiental é absorvido somente quando se vê nele uma
possibilidade de criar mercados, com produtos e serviços com rotulagem
“ambientalmente correta”. Nesse sentido as empresas pouco ou nada falam
das quatro primeiras atitudes mencionadas e focam apenas na reciclagem,
que sozinha não é capaz de superar os problemas socioambientais gerados
pela sociedade de consumo. Um bom exemplo a esse respeito são os
produtos gerados com reciclagem de garrafas PET. O consumidor compra,
considerando que está fazendo sua parte para a conservação da natureza,
quando na realidade todos as quatro atitudes deveriam ser ponto de
reflexão antes da compra de qualquer produto. Ao invés da compra de uma
camiseta de PET ou qualquer outro produto industrial, o consumidor pode
investir por exemplo na compra de produtos em feiras orgânicas, ou em
alguma oportunidade que estimule a autossuficiência. Devemos buscar
dimensionar nosso consumo e optar sempre por produtos e serviços não
industrializados, de produtores locais. Certamente a questão do
desperdício e do consumo perpassam por questões de valores sociais e
individuais relacionados ao que uma sociedade precisa para ser saudável e
ao que os indivíduos precisam para serem felizes. Com a grande mídia
induzindo a compra aliada a prazer e felicidade, as pessoas tendem a
viver e trabalhar para aumentar o poder de consumo. Ainda que uma
readaptação da indústria para modelos menos ofensivos e poluidores seja
algo positivo, deve-se aceitar esse momento apenas como uma transição
para uma sociedade de baixo consumo e em harmonia com os ciclos
naturais. O reaproveitamento dos produtos abundantes é necessário
atualmente, mas apenas como medida transitória.
7. Design partindo de padrões para chegar aos detalhes
– Esse princípio remete ao desenvolvimento de “uma linguagem de padrões
de planejamento em permacultura ao focalizar exemplos de estruturas e
organizações que parecem ilustrar o uso equilibrado de energia e
recursos” (HOLMGREN, 2013, p. 219). Na busca por uma sociedade adaptada
aos ciclos naturais, nossos esforços estarão mais no sentido de
adaptar-nos aos padrões naturais locais, que buscar inovações
tecnológicas para reparar nossos erros. Dentro disso entram as escalas
de planejamento, que na permacultura estão organizadas basicamente
através de zonas conforme a intensidade de uso, inclinação do terreno e
também na observação dos setores de sol, vento, umidade, água, fogo,
dentre outros.
8. Integrar ao invés de segregar – Tanto entre
seres humanos, quanto nas relações entre elementos naturais e outros
animais, as relações estabelecidas são importantíssimas para a vida e a
dinâmica desses grupos. A permacultura acredita que relações
cooperativas e simbióticas tendem a contribuir mais do que relações
meramente competitivas, na construção de uma sociedade com práticas
adequadas em harmonia com a natureza. Holmgren coloca que “nas
sociedades tradicionais estáveis, nas quais todos os recursos estão
totalmente alocados papéis definidos, obrigações mútuas, contribuições,
impostos e outros mecanismos sociais prevalecem sobre os competitivos”
(2013, p.269). Um dos grandes exemplos que pode ser utilizado para esse
princípio é o uso da criação de galinhas dentro de um sistema
agroflorestal, onde a ave pode viver livremente e tem alimento
disponível em abundância, bem como fornece adubação do solo através do
esterco desse animal.
9. Use soluções pequenas e lentas – A
sociedade moderna valoriza a velocidade, seja no transporte, seja na
produção, seja nas relações de consumo. Holmgren (2013, p.296) diz que
A ideia de que o mais
rápido é melhor na produção agrícola e industrial, no transporte, na
comunicação e nas viagens, na alimentação e em quase todos os aspectos
da vida está profundamente enraizada como uma norma cultural.
Pequenas e certeiras estratégias de manejo, trazem
resultados lentos, mas que podem ser eficazes e duradouros. Esse
princípio pode ser aplicado em escala doméstica e pessoal quando
buscamos soluções que interfiram em pequena escala, mas que trazem um
resultado a longo prazo. Também em escala local e regional quando, por
exemplo, o comércio é voltado à produção local de pequenos produtores,
que demandem menos deslocamento e velocidade no transporte.
Holmgren, coloca ainda que “a natureza inapropriada
da tecnologia moderna deve-se a sua larga escala, a sua natureza
centralizada e tecnicamente complexa e a sua inflexibilidade quando
aplicada em diferentes ambientes e contextos culturais” (2013, p.296).
10. Use e valorize a diversidade – O planeta
que habitamos é composto por uma imensa variedade de espécies animais e
vegetais, culturas, solos, que formam diversos biomas e paisagens. Já se
conhece as consequências que tem as monoculturas induzidas pelos seres
humanos, seja em nível de saúde – em decorrência da baixa variabilidade
de nutrientes na dieta alimentar e o alto nível de agrotóxicos, seja em
nível de relações entre povos – com guerras e atos violentos que trazem
uma imposição de uma cultura sobre outra, principalmente por questões de
poder nos territórios. A diversidade é intrínseca naturalmente à nossa
vida, e devemos desfrutá-la, aprender com ela e cultivá-la, seja na
produção alimentícia, seja no convívio humano. Somente através de um
caminho que aceite e proporcione a diversidade, é que se pode garantir
segurança alimentar e harmonia nas populações humanas.
11. Use os limites e valorize o marginal – Na
natureza, as zonas periféricas – limites e conexões entre um sistema e
outro, seja um ambiente, um ecossistema ou um bioma – são pontos ricos
em diversidade e energia. É no contato entre a atmosfera e a crosta
terrestre que está contida a vida e diversos processos energéticos
presentes no planeta Terra. Por exemplo, “os limites terrestres
sustentam um número maior de espécies de aves do que qualquer sistema de
vegetação, pois os recursos de ambos os sistemas estão disponíveis”
(HOLMGREN, 2013, p. 341). Este princípio funciona com base na premissa
de que o valor e a contribuição das bordas e os aspectos marginais e
invisíveis de qualquer sistema deveriam não apenas ser reconhecidos e
preservados, mas que a ampliação desses aspectos pode aumentar a
estabilidade e a produtividade do sistema. Por exemplo, aumentando-se a
borda entre o terreno e a margem de uma represa pode-se aumentar a
produtividade de ambos. Um design que percebe o limite como uma
oportunidade e não como um problema tem maiores chances de sucesso e
adaptação (HOLMGREN, 2007).
12. Responda criativamente às mudanças – Por
mais que o planejamento aconteça de forma mais ampla antes da execução
ou no começo, é necessário que ele seja constantemente reavaliado
conforme os resultados obtidos. Holmgren (2013) afirma que a
permacultura se refere à durabilidade dos sistemas vivos naturais e da
cultura humana, mas essa durabilidade depende paradoxalmente em grande
medida de flexibilidade e mudança. Alguns fatores que estão fora de
previsão podem influenciar em resultados não esperados. Por isso a
criatividade se faz necessária para conseguir superar mudanças
inesperadas.
Referências Bibliográficas
Dixon, Milton, and Sarah Spotten 2014. Future Care. Permaculture Productions LLC. https://permacultureproductions.com/2014/01/future-care/, Acesso: 26 out 2017.
HOLMGREN, David. Permacultura: princípios e caminhos além da
sustentabilidade. / David Holmgren; tradução Luzia Araújo. – Porto
Alegre: Via Sapiens, 2013. 416p.
Texto: Leticia dos Santos e Marcelo Venturi
Revisão: Arthur Nanni
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